domingo, 3 de maio de 2009

Um Amante dos Puros

Por Sandro Marcelo Ferreira dos Santos

Em 1994, um amigo casou e foi para Cuba. De “regalo” me trouxe um Romeo y Julieta (tubo forrado a cedro nº 2). Até então, nunca havia fumado cigarros, aliás, odiava e odeio aquela fumaça malcheirosa exalada por estes pequenos cilindros brancos de papel. Por alguns dias fiquei observando aquele tubo prateado, sem saber o que fazer. Minha única experiência, havia sido com cachimbos, mas confesso que não obtive muito êxito com as pipas. Ganhei um cachimbo inglês, mas mesmo assim, era algo que não me dava muito prazer, achava dificultoso o procedimento, o cachimbo apagava várias vezes. Certo dia, refleti que “não era a minha praia”.

Bem, voltando ao Romeo y Julieta presenteado pelo meu amigo, comecei primeiro a me informar sobre os rituais, a arte dos puros, li alguns artigos em revistas. Achei que estava preparado para enfrentar aquele primeiro puro cubano. Aquele dia, foi emblemático e inesquecível em minha vida. Após observar, admirar aquele cilindro marrom, sentir o aroma, dei algumas baforadas e exalei aquela fumaça azulada, lânguida e cheirosa, aquele perfume inebriante. Descobri que gostaria que este prazer me acompanhasse até o final dos meus dias.

A partir do primeiro charuto (esse a gente nunca esquece) comecei a freqüentar com certa habitualidade algumas tabacarias de Porto Alegre, conversar com alguns adoradores, “cigar aficcionados”. No ano de 1997, fiz minha primeira viagem à Cuba, lá conheci o Sr. Mons, na época tinha uma loja de charutos no bairro de Vedado. Atualmente, é considerado um dos maiores “connoisseur” em todo o mundo. Mudou sua “tienda” e está estabelecido no Club Havana. Me apaixonei pela ilha, pelos puros e por tudo o que estivesse relacionado ao assunto. O cheiro exalado pelos puros recém manufaturados é inigualável. Voltei da ilha e adquiri todo o tipo de acessórios, tais como, guilhotinas, balas furadores, porta charutos, cinzeiros, etc. A partir da minha adoração pelos puros, fiz vários amigos, também apaixonados por charutos. Parafraseando, um dos maiores poetas brasileiros, vulgarmente chamado de o “poetinha”, pois os críticos achavam sua poesia menor, mais popular. Refiro-me a Vinicius de Morais: “Nunca fiz grandes amigos em leiterias”. Particularmente, fiz grandes amigos em tabacarias e clubes de fumadores, tal como, em nosso templo porto-alegrense, a Puros Tabaccos, lugar ideal para uma boa conversa e um bom puro. O charuto agrega as pessoas, relaxa, nos ajuda a enfrentar as adversidades e problemas que a vida nos impõe. A vida fica mais bela, mais cor-de-rosa, mais leve quando estou com um puro entre os dedos, de preferência numa roda de amigos, conversando com a minha mulher, degustando um vinho de boa cepa, um champagne ou mesmo um porto. Nos meus momentos de absoluta solidão, o que admiro, pois posso me dedicar a um outro grande prazer que é a leitura, o charuto é a minha companhia ideal para a reflexão. Eu, meu livro, meu puro, me basta para ser feliz no universo.

Faço parte da Confraria do Charuto de Porto Alegre há mais de 10 (dez) anos. Nossos encontros se realizam mensalmente, sempre na primeira segunda-feira de cada mês. Somos um grupo de aproximadamente 50 (cinqüenta) confrades, unidos pela mesma paixão pelos puros. Ademais, a partir do ano 2003 criamos um seleto e restrito grupo de 12 (doze) amigos que degustam seus puros todas as quartas-feiras. É uma terapia coletiva, não precisamos de analista (que me perdoem os profissionais da área), mas saímos destes encontros relaxados, achando que a vida é para ser vivida intensamente. Aliás, falando em analista, Sigmund Freud foi um grande charuteiro (fumava em torno de 25) por dia. Seu formato predileto era um pouco menor, um figurado, os quais estão expostos no museu dedicado a ele em Viena. Pouco antes de morrer declarou: “Devo ao charuto a grande intensificação da minha capacidade para trabalhar e a facilitação de meu autocontrole”. Neste aspecto, dou razão ao pai da psicanálise, alguns dias no escritório, acendo um puro e parece que as idéias fluem com mais nitidez, aumenta meu poder de concentração.

Sou advogado militante há mais de 18 (dezoito) anos e tenho visto que em minha classe é a que mais existem adoradores de puros. Vivemos um stress diário, fruto dos problemas dos nossos clientes, de processos infindáveis, de prazos exíguos, o que gera um stress ímpar. A minha classe, juntamente com a dos controladores de vôo é a que convive com o maior nível de stress. Nestes dias, em que vida nos pesa, ao final de um dia desgastante, acendo um puro no meu gabinete, parece que a dimensão do problema fica menor.

Voltei à ilha em mais duas oportunidades, em fevereiro de 2005 e neste ano. Nas 02 (duas) ocasiões, durante o Festival Internacional de Puros, que reúne apreciadores de todas as partes do planeta. Em 2005 fui acompanhado de minha mulher e havia sido editada uma lei pelo “El Comandante em Jefe, Fidel Castro” proibindo o fumo em locais públicos. Achei um verdadeiro absurdo, ainda mais em Cuba. Para minha surpresa e alegria, ao adentrar no elevador, de madrugada, depois de uma cansativa viagem, deparei-me com dois espanhóis degustando seus Cohibas Siglo VI. Olhei para a minha mulher que não estava acreditando no que via e disse: “Este é o paraíso”. Inclusive, neste dia, pedi que quando me for, de preferência com a idade do Compay Segundo (95 anos) ou quem sabe com a idade de Gregório Fuentes (Santiago, personagem imortalizado por Ernest Hemingway, em “O Velho e o Mar”), que morreu aos 101 anos, fumando seus puros, conheci-o, em Cojímar (Cuba), quando estava com 98 anos, que levem um pouco de minhas cinzas e joguem no Malecón, em Havana. O hábito de degustar puros, é muito apropriado, não só em nascimentos, batizados, casamentos, formaturas, mas também em funerais, pois a etiqueta nos permite que nos despeçamos de nossos entes queridos, fumando um puro. Quando todas as palavras parecem vazias e inadequadas, um puro nos oferece um momento de comunhão de afetos. Neste sentido, já pedi aos amigos mais próximos que se despeçam deste apreciador de puros, dando baforadas. Imaginem aquele ambiente respeitoso, com meus amigos soltando nuvens azuladas, aquele aroma inconfundível no ar. Um puro pode ser tão necessário quanto um lenço. Por isso, nos meus humidificadores, sempre tenho uma quantidade suficiente para esta ocasião, pois haverão aqueles que se esquecerão inclusive do lenço... Ah, de preferência, coloquem dois cohibas robustos no bolso interno do paletó, pois não sei se quando pegar o cavalo celestial vai haver tabacarias no andar de cima.

Deixando os assuntos fúnebres de lado, este ano no Festival Del Habano, fomos (nosso grupo masculino de fumadores) à Pinar Del Rio, onde fomos recepcionados pelo ícone deste encantado mundo dos charutos, Don Alejandro Robaina. Fomos recebidos na mansarda de sua modesta casa, apreciando os puros elaborados na sua finca. Esta data foi inesquecível, saímos todos emocionados, com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas. Havíamos conhecido Don Alejandro, na sua simplicidade, fumado um puro com ele, o grande “Embajador” del mundo de Tabaco, em Pinar Del Rio. Isso era o que bastava. Era tudo. Havíamos tido um encontro com o Papa.

Após, em setembro deste ano, desembarcamos (nosso grupo masculino de fumadores) na República Dominicana. Estivemos em Santo Domingo e Santiago (aqui ficam as fábricas). Graças a um amigo, conseguimos visitar a Davidoff, sendo recebidos, por seu presidente Hendrik Kelner, uma pessoa gentilíssima, que nos presenteou com o que há de melhor da marca mundialmente famosa. Gosto dos cigarros dominicanos (que é como eles se referem na Dominicana), capa clara, seu aroma mais suave. Entretanto, se tiver que optar, ainda fico com os puros cubanos, feitos totalmente a mão. Não existe qualquer procedimento mecanizado em todo o processo de elaboração.

Para mim, charuto é sinônimo de elegância, de bom gosto. Nunca vi um apreciador de puros ser um brutamonte, descortês. Assim como as mulheres adoram jóias, os homens amam seus charutos. Aliás, nada contra as mulheres fumarem puros, bem pelo contrário, admiro as senhoras e senhoritas que apreciam um puro, tal qual aquela velha anciã que encontrei no ano de 2003, na “La Casa Del Habano”, na Saint Germain des Près, em Paris, degustando seu Hoyo de Monterrey (doble corona), tomando seu chá e lendo o “Le Monde”. A anciã parisiense devia ter uns 85 (oitenta e cinco) anos, mais ou menos. Se não estivesse acompanhado de minha mulher, pediria sua mão em casamento. Detalhe, este ano, juntamente com o Cohiba, fiz 40 (quarenta) anos.

Uma história que acho esplendorosa é a de Winston Churchill, a respeito de quem se diz que em toda a sua vida fumou 250.000 charutos. O seu preferido era um doble corona, calibre 47, sendo que mais tarde tal bitola recebeu seu nome. Durante a II Guerra Mundial, quando Hitler bombardeou Londres, as instalações de seu fornecedor favorito Alfred Dunhill foram danificadas pelo bombardeiro aéreo. Churchill, assim que ficou sabendo, ligou para sua tabacaria favorita e recebeu a excelente notícia que seus charutos não haviam sido atingidos. Hitler não conseguiu ferir o Primeiro Ministro Britânico no seu mais bem mais precioso.

Atualmente, em várias partes do mundo, há uma tendência a proibir a fumaça em lugares públicos. No meu modesto entender, está havendo uma discriminação generalizada. A proibição deveria ser para os fumantes de cigarros. Tal vício comprovadamente causa sérios danos à saúde. Entretanto, não somos fumantes, somos fumadores, apreciadores de uma arte. O charuto não é um vício, é um prazer. Melhor: um estado de espírito. Em meu gabinete, mandei fabricar uma placa de bronze com os seguintes dizeres: “AMBIANCE FUMEUR. NON FUMANTS TOLÉRÉS”.

O perfume que é exalado ao abrir uma caixa de puros é inigualável, um néctar que os Deuses reservam aos pobres mortais. Sentimos em nossas narinas o “terroir” ímpar de Cuba, da República Dominicana. Até hoje nenhum perfume me seduziu tanto quanto o aroma exalado na abertura de uma caixa de charutos. Que os Deuses protejam o solo sagrado de “Vuelta Abajo – Pinar Del Rio” – Cuba, do vale do “Cibao” – República Dominicana, do vale de “San Andrés” – México e também o de “Cruz das Almas e São Gonçalo” – Bahia, para que possamos ter sempre este “ouro negro” elaborado pelas mãos delicadas de torcedores (as). Por fim, citando com a devida licença e alteração, a frase daquela velha dama francesa, proprietária de uma das maiores vinícolas de Reims: “Entre a tragédia e a desgraça, existe sempre um lugar para degustar um puro”.

Um comentário:

  1. Sinceramente, não sou um amante de charutos, mas para muitas pessoas que as amam, é que eles têm uma mística especial e muito diferente de cigarros, mas você tem que saber onde conseguir boas tabacarias
    bons charutos.

    ResponderExcluir